Jovens universitários estão descobrindo o centro histórico para viver em Laguna
Os novos moradores do centro de 342 anos de Laguna não gostam de rótulos, estão na faixa etária de 18 a 30 anos. Preferem a liberdade e desejam experiências.
Eles estão aos poucos sendo mais vistos no centro histórico, com acesso rápido e fácil a universidade, localizada a poucos metros. Depois de movimentar o mercado imobiliário no Mar Grosso perceberam que os casarões antigos são um novo espaço a ser explorado.
A vocação do centro histórico está no meio universitário, avalia a arquiteta Ana Paula Citadin, do Iphan de Laguna. “Uma nova fase está iniciando, devagar, mas permanente”, classificou.
Atualmente, a Udesc tem 674 estudantes maioria de outras cidades, 52 professores e 21 técnicos universitários em três cursos de graduação: Arquitetura e Urbanismo, Engenharia de Pesca e Ciências Biológicas (Biodiversidade e Biologia Marinha). Possibilidades de novos cursos, como Direito estão nas conversações entre poder público e universidade.
Novo momento do bairro central também será presenciado com a chegada dos primeiros estudantes do Colégio Militar, futuramente, instalado no prédio centenário da escola Jerônimo Coelho, a partir de 2019.
Elas querem viver a cidade
Elas serão futuras arquitetas e urbanistas. Para seus planos, morar num apartamento no Mar Grosso, longe do centro urbano, as incomodava. Nos primeiros semestres do curso dividiam uma morada, mas não estavam felizes. As amigas Valquíria Lucena, 22 anos, de Lages; Natacha Marcante, 23 anos, Florianópolis e Kátia Adonai, 28 anos, juntaram seus pontos de vistas e decidiram seguir suas escolhas.
Meses de procura, encontraram numa imobiliária da cidade vizinha, a oferta de uma casa que desejavam, com atrativo preço, bom espaço, comodidade e no centro histórico, o meio urbano que tanto queriam. O curso de arquietura da Udesc requer horários diferenciados nas aulas, o deslocamento até duas vezes ao dia, era um custo a mais.
Estavam cansadas de mudanças. No verão, precisavam sair do apartamento para os novos inquilinos da temporada. Perdendo um vínculo com a cidade que tanto gostam. “Laguna é incrivel e encantadora”, classifica Natacha. Agora, podem curtir a cidade em todas as estações.
Sem contar na decoração e organização do espaço só para elas. Nas paredes frases de empoderamento feminino, misturado com projetos arquitetônicos, livros e planejamento das atividades até 2019.
Mulheres a mil no tempo e espaço não esperam e fazem acontecer. Juntas estão organizando o Encontro Nacional dos Estudantes de Arquitetura em Laguna para o próximo ano.
Cercada de prédios históricos e pelos seus gatos, um deles o Frans, que costuma pedir chamego na hora dos estudos, elas não têm tempo para desculpas e estão correndo atrás dos seus objetivos e naquilo que acreditam. Projetos não faltam.
Cotidiano
Uma pausa para deslumbrar o pôr do sol na lagoa Santo Antônio para a jovem Gladys da Costa, 24 anos, de Florianópolis, observar sem pressa o alaranjado no ceú e na água, soma como poesia e inspiração. O centro histórico foi seu bairro por três anos e sente saudades. “Visual maravilhoso, tem Fonte da Carioca, tem praça da matriz e eventos no Cine Mussi”, lembra.
A qualidade de vida, onde tudo é perto, comércio e universidade, ajudou na escolha. “Morar no Mar Grosso era sinal de mais festas e tudo ficava mais longe. Como meu cotidiano era mais tranquilo e silêncioso, não me arrependi de morar na rua Santo Antônio”.
Minutos de silêncio para responder qual a desvantagem de residir no centro de Laguna. São poucos, mas enumera “a iluminação e falta de maior ocupação de moradores. O próprio centro é separado, tem ruas com residências, sinal de mais movimento e cotidiano, nas vias somente com comércio, á noite é até perigoso circular. O resto tudo é ótimo”.
Com maior oferta de imóveis, segundo ela, o número de ocupação iria crescer. Casas vazias são um desperdício.
Mais moradas
O estudante Mateus da Silveira, 23 anos, preferiu o centro histórico em Laguna, próximo do clube União Operária, pela qualidade da moradia, uma casa muito bem arejada e espaçosa. Entretanto, segundo ele, casas como essas são exceções no centro, muitas estão em estado de abandono.
“Preferi o centro pela proximidade com a faculdade, que possibilitou realizar o deslocamento a pé (5 minutos). A tranquilidade no centro também é um fator importante a ser considerado”, lembra.
Repúblicas cadê ?
Larissa Silva Barreto, 22 anos, integrante do Centro Acadêmico do curso de Arquitetura da Udesc, é enfática. “O universitário não ocupa mais o centro histórico por falta de opções”. Existe um déficit habitacional com preços acesssiveis para os estudantes universitários. “Não são apenas da classe A que vem estudar na Udesc”, conta ela. “Nem todos têm condições de pagar um aluguel caro como em outros bairros. O centro histórico e arredores vêm surgindo como uma opção mais viável”, defende.
Economizar numa forma coletiva seria uma opção, de acordo com a acadêmica e a aponta as Repúblicas uma solução.
As Repúblicas, marco na vida universitária, local onde jovens dividem uma casa, ideias, obrigações, banheiros e festas serão o próximo passo. No decorrer dos anos, repúblicas irão proliferar no centro. O movimento é simples e continuo, cresce o número de jovens, consequentemente, o número de dormitórios.
“A valorização do centro histórico traria mais vida para o espaço, depois das 18h e nos finais de semana, tem pouco movimento”, aponta.
O Centro Acadêmico, junto com o grupo de extensão Juntos, procurou no início do semestre passar a ideía dos jovens utilizaram mais o bairro central.
Os estudantes transformam o centro histórico um palco para manifestações, com saraus, exposições e festas. Nos eventos culturais no Cine Mussi, as poltronas são frequentadas na maioria pelos jovens universitários.
Pioneiros
Da casa dos avós, onde brincavam na escada de madeira, corriam pelos corredores e se deliciavam com os doces e histórias, os irmãos Eduardo e Rafael de Castro Faria resolveram restaurar lembranças e empreender no nicho da economia lagunense ganhando força: os universitários.
Após um ano de restauração, com cinco quartos foi transformada num novo conceito de residência para estudantes, visitantes e recebeu o nome de Morada do Jardim. Conceito de uma moradia compartilhada. Lá fora chamada de coliving, no Brasil aos poucos está surgindo, ganhando força e novos conceitos.
Os irmaõs são pioneiros no atendimento para mulheres, com requinte e bem-estar num casarão tombado pelo patrimônio, no centro histórico de Laguna. De olho no que está ocorrendo ao redor do mundo, disponibilizaram 11 quartos, com ar condicionado, TV, internet, sala de estar, cozinha conjugada, área de serviço e banheiros e com pagamento mensal.
A chegada, cada vez mais, de estudantes motivou os irmãos. Na torcida por novos cursos na Udesc, sabem que a tendência é aumentar o número de jovens de outras cidades percorrendo as ruas do centro histórico.
Para a despreocupação dos pais, a estudante de Florianópolis, Victoria Coirolo, caloura do curso de Arquitetura e Urbanismo, definiu seu estilo de morada e pretende ficar por um bom tempo. “Adorei. Não conhecia ninguém na cidade, residir num lugar assim, facilita”, descreve.
Centro histórico é patrimônio nacional
Em Laguna, a proteção do centro histórico iniciou-se com o tombamento, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, da Casa de Câmara e Cadeia em 1954. Depois vieram as leis municipais, a partir de 1978, que protegeu as fachadas das edificações do entorno da Praça da República Juliana e outras edificações. No ano de 1985, ocorreu o tombamento do Centro Histórico de Laguna pelo IPHAN, sendo o primeiro conjunto urbano tombado em nível federal no estado de Santa Catarina.
Apresenta aproximadamente 600 edificações e abrange uma área de 1,2 Km², com uma população estimada em 3.000 habitantes. A área tombada é definida por meio de uma poligonal, que inclui as encostas dos morros que circundam o sítio histórico e parte da lagoa de Santo Antônio.
O Centro de Laguna pertence a história do Brasil. Seus prédios evocam a imigração açoriana, a República Juliana e o Brasil Império. O tombamento teve o propósito de preservar a história do país.
De acordo com especialistas, o espaço urbano reflete a diversidade arquitetônica advinda dos diferentes tempos históricos, culturais e econômicos. O sítio urbano de Laguna apresenta novos desafios na gestão do patrimônio tombado em relação aos centros históricos de características homogêneas.
Restaurar dentro das normas
Como em outras cidades históricas com universidades pelo Brasil e pelo mundo, a chegada de novos jovens precisam de lugar para morar. Neste movimento transformam o mercado de alimentos, imóveis e a economia local de modo geral.
Para atender a clientela, os proprietários começam a restaurar seus imóveis. Muitos são tombados pelo patrimônio histórico com normas para as melhorias.
De olho nas transformações que já começaram e outros que estão por vir, professores da Udesc, Iphan e poder público promoveram um curso sobre preservação e restauração de prédios históricos, com aulas de pinturas, argamassas e histórias.
A grande procura entusiasmou os envolvidos, uma luz surgiu e um nicho de mercado mostrou-se forte. “Falta profissional para trabalhar com restauração e recuperação de edificações históricas em todo o Brasil”, assim o professor da Udesc, João Paulo Schwerz, iniciou o primeiro dia da oficina.
A primeira palestra ocorreu com Marina Canas, arquiteta e urbanista do Iphan de Santa Catarina, com especialização em conservação e restauração de monumentos e conjuntos históricos.
A pressão urbana, falta de planejamento e turismo predatório não deixaram de ser lembrados como predadores para o bem histórico pelos pesquisadores.
Nos próximos anos, o centro histórico e arredores estarão recebendo novos moradores, o poder público, empresários e prestadores de serviço devem olhar com atenção para o fenômemo que poderá transformar o bairro mais antigo de Laguna.
Texto: jornalista Taís Sutero SC 1796