Tranças que aproximam
Quando Manuella Amorim, a Manu, 7 anos, viu a professora entrando na sala com os cabelos trançados, um encantamento surgiu. A mãe narra a história da mudança no cotidiano da pequena Manu, a partir do primeiro dia de aula na sala de alfabetização, da Escola da Educação Básica Renato Ramos.
Poucos meses depois veio o coronavírus, aulas canceladas e a saudade da professora só aumentou. Numa tarde, no mesmo horário das aulas, Manu pediu para a mãe, Elizaíde de Jesus Amori, fazer seu cabelo ficar igual da professora. Mãe e filha sentadas na varanda de casa do bairro Portinho, em Laguna,trançaram os cabelos, do jeito delas, sem pressa e preconceito.
Porém, o resultado não ficou como Manu queria. “ – Mãe, quero igual da professora”.
Elizaíde descobriu que fazer tranças não é algo fácil. A história dos cabelos lisos de Manu ganhou os grupos da família e da comunidade escolar. Sensibilizada com a história do amor da pequena pelas tranças afros, a trancista LilianeRafael, foi até a casa de Manu e a transformou.
A profissional cresceu assistindo a mãe fazendo suas tranças, atualmente, aos poucos, presencia as mulheres negras e crianças assumindo as suas “blacks” tranças sem medo. “Já fiz tranças em meninas brancas, mas com essa fascinação de Manu é a primeira. Vou levar essa experiência para o resto da vida”, conta a trancista.
Entre uma trança e outra a tagarela Manu, perguntou como cuidar do cabelo, laços, quanto dura e como lavar.
“Ela não foi mais a mesma”, disse a mãe. O empoderamento de Manu surgiu. Fotos e mais fotos, as atividades escolares ficaram até mais prazerosas. O pai Adriano da Rosa Silva acompanha tudo e aprova.
Um mundo colorido foi aberto. Bonecas com tranças, vestidos alegres, fitas no cabelo e o feminino ganhou força. “Nunca tive preconceito e estou criando minha filha assim. Fico feliz por ela ser como ela é”, conta orgulhosa a mãe.
Manu em vídeos divulgados nos grupos da família, diz que não existe sangue preto e todos são iguais.
Avós, tios, primos adoraram as tranças. Numa ida para a padaria, as meninas da idade dela até brincaram falando que ela estava “se achando” com aqueles cabelos.
Pronto. Ai mesmo que balançou suas tranças. “Ela ficou mais feliz, mais alegre e cheia de vida”, narra a mãe.
Com lágrimas nos olhos, a professora Dilsimar da Silva Tereza, mais conhecida como Mana Teresa, foi visitar a pequena, depois de semanas da paralisação das aulas, somente com aulas online.
Não conteve a alegria de ver a beleza e o empoderamento que causou as suas tranças em Manu. Há 11 anos como educadora não tinha presenciado tamanha adoração. A trancista aproveitou e fez retoque nas madeixas da pequena.
“Na ingenuidade infantil, ela está nos mostrando uma linda lição de amor. Sem preconceito, somente carinho e admiração”.
Tereza já teve as madeixas black power, dreads, loiros, curtos, longos, sabe que a mulher negra tem nos seus cabelos sua força e sua identidade.
O cabelo está cada vez mais associado à autoafirmação, autoestima, comportamento e feminilidade, juntamente, com o resgate da cultura e valorização do negro.
Ser mulher negra também é ser bela
A mestranda em Educação, com ênfase em mulheres negras e especialista em gênero e diversidade, Aleida Cardoso, fica esperançosa com a história de Manu.
“As crianças brancas não têm de imediato um olhar racista, porque ela não sabe realmente o que isso significa. Na verdade, essa relação que ela fez com uma mulher negra que admira, faz reascender o um debate sobre autoestima”.
O cabelo afro sempre foi considerado fora do padrão, longe da estética do que era aceitável, de acordo com a mestre. Mulheres negras alisam o cabelo para serem aceitas na sociedade.
Ela salienta em seus estudos “que ser mulher e negra também é ser bela; que dentro das nossas especificidades de raça que sempre se mostrou inferior, subjugada por muitos, tensiona uma relação de empoderamento de um olhar transformador”.
Atitudes assim da família lagunense, só contribuem.
“Muitas meninas brancas, sempre acharam meninas negras bonitas, o problema é a estrutura social estabelece uma hierarquia de poder destas crianças”, pontua
Para Aleida “mulheres negras não foram ensinadas a se assumir e lutar contra as opressões. A identidade racial é um empoderamento constante”.
Ela concluí parafraseando uma das maiores pensadoras negras sobre a questão das mulheres negras do Brasil Lélia Gonzales: “ a gente nasce preta, mulata, parda, marrom, roxinha, mas tornar- se negra é muito mais que uma identidade. É uma conquista”
Texto e fotos: jornalista Taís Sutero JN 1796