“Apitaço” marca o Dia Internacional para Eliminação da Violência Contra a Mulher
Muitas narrativas ouvidas se entrelaçam pela semelhança, seja na história, acontecimentos e até nos traumas que ficam. Conversar com mulheres que sofreram violência doméstica é sempre um soco no estômago. É difícil entender e aceitar que alguém sofre violência simplesmente pelo seu gênero.
De acordo com Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso – DPCAMI, em 2021, foram instaurados mais de 400 procedimentos envolvendo crimes contra a mulher, entre eles medidas protetivas de urgência, inquéritos policiais por Violência doméstica (física, psicológica, patrimonial, entre outras) e crimes contra dignidade sexual, em Laguna. Um “Apitaço” marcará a data pela eliminação da violência contra a mulher, nesta quinta-feira (25).
Flávia*, professora, foi vítima do namorado após decidir pelo término, quando ele quebrou tudo o que tinha no seu quintal. “Pensei: se ele fez isso com o quintal, o que pode fazer comigo?”. No início ele parecia o “príncipe encantado”, e Flávia “tinha plena certeza que estava ao lado do amor da sua vida”, após ter saído de um casamento abusivo, onde já sofria violência psicológica, mas nunca física.
Ela sofreu violência física e tentativa de homicídio, após terminar o relacionamento de quase três anos. “Mesmo com a medida protetiva, ele invadiu minha casa com uma arma. Os prejuízos financeiros foram inúmeros, desde sabotagem no seu carro, câmeras de segurança, até advogados”, revela.
O roteiro, segue o padrão da maioria dos abusadores: ciúmes, posse, intolerância, proibições, culpabilização da vítima, afastamento dos amigos e familiares, ameaças, xingamentos, perseguição e muitos outros.
De acordo com o Centro de Atendimento à Mulher, no Brasil, 45% das mulheres em situação de violência sofrem agressões diariamente e para 35%, a agressão é semanal.
Por 30 anos, Liandra*, hoje com 51 de idade, viveu o abuso psicológico e físico de seu marido. Há cinco anos separada, ela conta que ainda tem muitos traumas. Voltar a estudar foi um caminho libertador e crucial para conseguir sair desta relação. “Eu vivia numa bolha com ele, quando sai, fiquei com medo do mundo. Chorava no banho de desespero. O que ia ser de mim? Mas voltei a estudar e a trabalhar após cinco meses, e aos poucos minha vida foi mudando. A vontade que eu tenho hoje é de sair gritando para o mundo pela alegria da minha liberdade, ajudar as pessoas que precisam, até ir para a África”, desabafa aliviada, a assistente social.
Mulheres que se libertam e encontram novos propósitos na vida após viverem relações amorosas abusivas também enfrentam o trauma e as marcas deixadas nas memórias. Renascer como Fênix, como o pássaro que ressurge das cinzas, não é tão simples. Processos e cuidados especiais são necessários para essas mulheres abusadas.
“Não digo que é fácil, em instante nenhum. Sofro? Muito. Muitas pessoas me perguntam como consigo seguir tão firme. Eu sempre respondo: com muita fé, resiliência e procurando transmitir ao próximo o que tenho de melhor. Sigo grata e sorridente, mesmo diante de tantos desafios, pois eles nos fortalecem e nos fazem grandes. Em tudo o que passamos na vida há uma lição. É nisso que devemos focar para evoluir. E assim eu vou tentando, um dia de cada vez e sempre disposta a ajudar quem de mim precisar”, reflete Flávia*.
No Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), em Laguna, 29 mulheres vítimas de violência doméstica foram atendidas até o mês de novembro. “Nesse número não entra a família atendida, só as mulheres. Acreditamos que ainda há pouco conhecimento do nosso serviço, por isso muitas não nos procuram”, afirma a psicóloga Cátia Mendes. O principal fluxo vem através dos encaminhamentos da Rede Catarina de Proteção à Mulher da Polícia Militar, já com medida protetiva.
“São mulheres que já possuem esclarecimento sobre o assunto, mas que infelizmente já chegaram no último estágio da violência, a física”, explica a psicóloga.
Estatisticamente, a busca por atendimentos especializados e acompanhamento do Creas são procurados por mulheres que já tem certo grau de conhecimento e geralmente trabalham. “Em classes sociais mais vulneráveis, a violência e o machismo estão tão naturalizados que a maioria nem chega a procurar ajuda ou denuncia. Uma triste realidade”, revela a psicóloga.
Mendes afirma que a maioria das mulheres atendidas no Creas possuem filhos e já são casadas há mais de dez anos. “O maior medo delas é a separação dos filhos do pai, mas grande parte desses homens já são ausentes na paternidade”.
Após chegarem ao atendimento pelo Creas, essas mulheres recebem acompanhamento da equipe composta por assistentes sociais e psicólogas. A média são de 4 a 5 encontros, que priorizam o atendimento à família como um todo, incluindo os filhos. Após essa fase, são encaminhadas para atendimento psicológico na rede pública de saúde do município.
Histórias como da Liandra* e Flávia* acontecem diariamente em todo o Brasil. É preciso reforçar e esclarecer que o machismo ainda está enraizado na sociedade, o que permite que muitas mulheres e meninas ainda sejam educadas neste formato limitador, que violenta e exclui seus direitos. “Precisamos trabalhar isso desde a infância, continuar na adolescência e educar essas mulheres a se livrarem dessas violências que são naturalizadas até na própria família”, completa a psicóloga do Creas.
Para lembrar e mobilizar a população pelo Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra a Mulher (25 de Novembro), será realizado um “Apitaço” no Centro Histórico, nesta quinta-feira, em dois horários do dia (10h às 11h / 16h às 17h), em frente ao Mercado Público, organizado pela Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso – DPCAMI, com apoio da Secretaria de Assistência Social.
Na Rede Municipal de Ensino, todas as escolas também estão trabalhando o tema de combate à violência contra a mulher.
Violência psicológica agora é crime:
A Lei 14.188, de 2021, incluiu no Código Penal o crime de violência psicológica contra a mulher, a ser atribuído a quem causar dano emocional “que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões”. O crime pode ocorrer por meio de ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro método. A pena é de reclusão de seis meses a dois anos e multa.
De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de feminicídios aumentou 7,1% em 2019 em relação a 2018.
História de irmãs assassinadas marca celebração desta data:
No dia 25 de novembro de 1960, as irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa, conhecidas como “Las Mariposas”, foram brutalmente assassinadas pelo ditador Rafael Leônidas Trujillo, da República Dominicana. As três combatiam fortemente aquela ditadura e pagaram com a própria vida. Seus corpos foram encontrados no fundo de um precipício, estrangulados, com os ossos quebrados. As mortes repercutiram, causando grande comoção no país. Pouco tempo depois, o ditador foi assassinado.
Em 1999, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas instituiu 25 de novembro como o Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher, em homenagem às “Mariposas”. Ou seja, durante um dia no ano, incitam-se reflexões sobre a situação de violência em que vive considerável parte das mulheres em todo o mundo.
Saiba mais sobre o CREAS:
O Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) é composto por uma equipe de quatro assistentes sociais, duas psicólogas e duas educadoras sociais, além do coordenador.
No local também são recebidos os casos de violência e abuso infantil, contra idosos e outros grupos vulneráveis, além das mulheres.
O horário de atendimento é das 8h às 18h. Endereço: Rua Barão do Rio Branco, 25, Centro Histórico.
Telefone: 3644-2049
*Liandra e *Flávia são nomes fictícios
Reportagem especial
Jornalista Gisele Elis (MTB 6822)
Fotos: Alicia Marques